sábado, 31 de janeiro de 2009

B O C A S

MANOEL HERCULANO

Dei um beijo na boca da noite, um senhor beijo, no capricho
Igual àqueles que eram dados por artistas na boca do lixo
Bocas que nunca beijei, beijos que só vi no cinema, na TV
E já nem sei se eram bocas carnudas, mudas, se era você
Beijar a boca do sapo que não vira príncipe, um sopapo e adeus realeza
Colocar um nome na boca do sapo, em síntese: que papo, que pobreza!
Tanto quanto boca de fumo, triste consumo, resumo: tristeza
Bate-boca, boca maldita, não leva a nada, quem mais acredita?
Boca a boca, boca nervosa, gulosa, cair de boca, a gula explica
Nem boca de ouro, nem boca banguela, eu prefiro aquela
A boca que beijei na juventude, cheio de atitude, e insegurança
Apenas uma criança na boca do lobo, do vulcão, boca de fogo
Bocas ardentes no palco da vida, amadores na boca de cena
Cenas quentes, boca atrevida, sedutores, boca obscena
Cenas fortes, sem ensaio, sem cortes, água no céu da sua boca
Mas não sou para o seu bico, eu explico: caí nas garras de uma cabocla
Com ela eu vou, eu fico, não escapo, junto os trapos, dou sopa
E sem bocejar, sem demora, sem falar só da boca pra fora
Ser abocanhado por uma bocarra e ainda fazer farra, seria o cúmulo
Cair na boca do povo que diz: boca de siri, minha boca é um túmulo
Mas não quero ser apenas um bom bocado, um pitéu para sua bocaça
Eu quero desembocar desbocado em seus lábios de mel, minha cachaça
E lamber os beiços, deixar cair o queixo, e até a roupa eu deixo
Vamos deixar de tolice, não me deixe aqui, assim, à míngua
Sacie esta minha gulodice de falar, falar e falar a sua língua
Por favor, não ponham palavras na minha boca, não cala-te boca
Nem tirem o pão, o queijo, o beijo da minha boca, será a forca!

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Obs: Enfim, o famoso "Bocas". Faz sucesso no Espetáculo, no Castelinho e onde quer que eu o fale, inclusive no CORUJÃO da POESIA, na Letras & Expressões do Leblon. Apareça lá, toda terça-feira, a partir de meia-noite. Mas antes tem o CORUJINHA, no Restaurante Pronto, começa entre 21 e 22h.

OBS/Dez/2009: o Corujinha já não existe, faz tempo!...

D E L U A

MANOEL HERCULANO

Se vou à janela
Lá está ela, descaradamente bela
Corro para a rua
E ela continua, decentemente nua
Como ignorá-la, deixar de amá-la
Banho-me no mar de estrelas
Não me canso de nadar, de revê-las
Mas ela, quando se revela
Se veste ainda mais em seus mistérios
Se despe e se refaz conforme seus critérios
E desfila, absoluta, na passarela
Eu já desisti de compreendê-la
Me convenci que basta não perdê-la
E sigo encantado
Tentando, em vão, defini-la com frases
Fico enciumado
Quando lá se vão, ela e suas fases
Pois vestida ou nua, de rainha ou perua
Ela brilha, dá show, cintila, se insinua
E assim, pobre de mim
Descobri que até ela, a lua
Além de minha e sua
É, também, de lua.

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Obs: Este, também, foi tema sugerido, na Sociedade dos Poetas Vivos, criada por Aristô de Carvalho, no Castelinho do Flamengo, e onde eu fui homenageado! Eu tô falando...

S I L Ê N C I O

MANOEL HERCULANO

Hoje eu quero ficar só
Quero me ouvir, me sentir voltando ao pó
Com meus traumas, meus medos
Todas as minhas almas, meus pecados, prazeres e segredos
Vou fechar a porta, pra ver se o meu ego me suporta
E vou abrir a mente, mas somente para o mundo
Que fica logo ali, no fundo do meu quintal
Na fronteira com o irreal
Vou ficar quieto, em silêncio
Nem o que penso eu vou falar
Já sei que ninguém quer escutar
Há sempre muita pressa, muita promessa
Muito "qualquer nota", "qualquer gênero"
Tá na moda ser efêmero
Os bons momentos viraram clipe
E tudo é fama, é corpo, é VIP
As pessoas estão loucas e fingindo normalidade
Ah, que saudade! Nem sei de quê
De alguma época, algum lugar, talvez de você
Será mesmo que "todos estão surdos" como já disse o Roberto?
E ninguém mais sabe o que é bom, ruim, errado ou certo?
Diante desta surdez universal
Sugiro que continuemos olhando o mundo, indo para o mundo
Mas sem jamais esquecermos o nosso quintal.

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Obs: Este foi o grande responsável pra que eu me assumisse como poeta. Eu escrevia peças de teatro e sempre criava um poema ou canção para fazer parte do texto. Quando o escrevi e mostrei (hoje ele faz parte da peça "Estréia Quando?"), começaram a me convidar para eventos de poesia, mas na época, não me identifiquei... Anos depois, em 2007, fui a um evento no Castelinho do Flamento, coordenado por Aristô de Carvalho, que ao ouvir o poema, foi só elogios. E me levou no sarau apresentado por João Pedro Roriz ( e em vários outros lugares), que gostou também, e, ao ouvir "Descomposto", em seguida, falou que eu era um grande poeta. E eu acreditei. Até porque várias pessoas já haviam falado. Não podia ser só por causa dos "meus olhos azuis". No máximo por generosidade... Enfim, fiz um esforço e me assumi como poeta. E não parei mais. Já tinha outros poemas, escrevi mais, fiz a oficina no Castelinho, a diretora (Elisa de Castro) me viu, gostou, e abriu espaço para eu fazer uma apresentação, que foi um sucesso! Hoje estou com o espetáculo, que começou no Castelinho com o apoio fundamental da Aristô, Elisa, Roriz e outas pessoas que assistiram e me aplaudiram várias vezes em cena aberta... Ufa, é melhor parar por aqui, senão o ego... "Vou fechar a porta...".

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

CORUJAS URBANAS

MANOEL HERCULANO

Eu confesso, tenho todos os sintomas de um pai ou mãe coruja
Do tipo que deixa hematomas de carinho antes que o filho fuja
Que abraça, sufoca, beija, aperta, dá bitoca, e solta rojão
Mas agora, quem diria, troco a noite pelo dia, por outro filho fujão
E noite afora eu me transformo em corujinha, corujão
Ás terças, no Leblon, tem poesia em alto e bom som
Apareça, não me esqueça, entre no Tom, de Vinícius
É terça, é cabeça, é tudo de bom, loucos sem hospícios
Tem gente que sabe falar, que sabe escutar, gente bacana
E a poesia voa, e ecoa em Ipanema, Copacabana
Passa pelo Centro, dispensa canoa, atravessa a ponte
E levada pelo vento da Lagoa, chega ao berço, à fonte
Sem corujice, sem querer apenas aparecer
Com alguma rabujice e muitos poemas esperando o sol nascer
Vai-se a poesia, vão-se os livros, e voltam em forma de poetas vivos
Sabe como é, quem se torna coruja não aceita ser caburé
E não queremos o seu ouro, nem emanamos agouro
Somos um bando de poetas e não uma penca de bananas
Valemos mais que moedas, somos corujas urbanas
Portanto, quando uma coruja piar, não vire as costas
Seja coruja, corujinha ou corujão
Uma só conclusão: respeito é bom e a gente gosta.

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Obs: Poema em homenagem ao CORUJINHA e CORUJÃO. Sugerido por LUCIANA DAU, ao ouvir a expressão "CORUJAS URBANAS".

AFRODESCENDENTE

Manoel Herculano

Dia desses eu acordei e me senti assim, como direi, um tanto afrodescendente
Isto, antes de supor que acima de qualquer cor, sou gente
Sei lá, eu me sentia meio escuridão, meio excluso, meio eclipse
Faltando mais que um botão, um parafuso, talvez alguns chips
Coisas de quem faz confusão entre pessoas especiais e pessoas VIPs
E quando me olhei no espelho, um sorriso
O bastante para perceber o quanto tal questionamento era impreciso
Eu sou muito mais que um 'pretinho básico', ou um 'pão ázimo'
Não sou mágico, na verdade eu sou algo assim equivalente ao máximo.
Racismo já deu, e entre trevas e reservas eu sou mais eu
E para quem não consegue me digerir, que também não tente me diminuir
Pois ouvirá em cima da hora: sai fora, vai ver que eu estou em Angola!
Será mesmo que só é legal ser negão no Senegal?
Eu não sou 'escurinho' nem uma 'pessoa de cor'
Também não precisa me chamar de 'meu branco', muito menos de 'doutor'
Eu não quero mudar de cor só por ter, eu quero ser
Quero conviver com todas as raças, sem dono, com todas as cores
Andar livre nas praças, no colorido do outono, na primavera dos amores
Podem me chamar de moreno, mulato, pedaço de mau caminho, gato
No samba, no bolero ou no forró, eu tolero sem dó, até cor de jambo
Mais que isso é insulto, aí eu fico muito p... inculto e esculhambo
Porque pano é pano, tecido é tecido, e mulambo é mulambo.
Todos somos criaturas, branca ou negra, a raça é uma mistura
Eu sou negro, e se aos seus olhos não pareço um 'deus grego'
Mas posso ser um deus africano, maranhense, indiano
E acima de todo esse blá blá blá, sou capaz de amar, sou brasileiro
E as cores do Brasil, feito um céu azul-anil, embelezam o mundo inteiro
Quanto à raça, tanto a minha, a sua, a do índio, a da cigana
Olha que graça, não tem drama, é uma só, a raça humana!                                                                 
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Obs: MAIS UM DA SÉRIE "ESPELHO", E QUE FAZ MUITO SUCESSO. SEM PRECONCEITO.