quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

GULA DE GULLAR

MANOEL HERCULANO

Concretamente
de um poema dos bons eu não fujo
mesmo sendo um poema sujo
E quando digo bom, qualquer que seja o tom
não falo neoconcretamente de bom gosto
Porém, para o meu gosto e refúgio
cito como exemplo o dito cujo
Um poema sujo passado a limpo
achado na lama, entre as pedras daquele garimpo
feito a gente, de passado e presente, ficou um brinco
Mas o momento não era para brincar
e até a poesia queria reivindicar
porque apesar de todas as sagas
tantas chagas, não há vagas?
No exílio da canção surge um poema atemporal
sem auxílio, sem bênção, após a luta corporal
E o trenzinho do caipira, carregado de saudade de nós dois
saudade do voo da pipa, da pipira
do nosso feijão com arroz
Porque lá no Maranhão, num recanto de São Luís
alguém já não queria ter razão, queria era ser feliz
Foram 85 em setembro, 1975 de maio a outubro
se bem me lembro, depois de tantas primaveras o descubro
e dentro da noite veloz, aquela tosse, aquela voz
Lembranças do fundo dos baús, do voo dos urubus
lá para os lados da fábrica, na palafita
onde não se via mágica nem meninas com laços de fita
só o sonho saudando a Ilha do Amor, do pai, do avô
Uma pessoa que cabe tantos anos bem vividos
tantos versos criativos, tantos ossos ativos
Um Ribamar que nadou em outro mar
que respirou outros ares, ilhado em Buenos Aires
e longe da Ilha, da família, do Brasil, do rio Anil
Mas de quase nada me excluo, quase nada eu expurgo
porque em casa de Ferreira o poeta é também dramaturgo
e antes do epílogo, escreveu e até falou em decassílabo
com todo encanto, sentimento, espanto
Existe ócio criativo?
E poeta vivo, existe?
Ou é a poesia que resiste em cada vírgula da crônica
no traduzir-se de cada sílaba tônica?
Uma certeza:
Há quem tenha gula de guloseima e não consiga regular
e quem engula poesia como quem tem gula de Gullar

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*****Mais uma homenagem porque, o maior poeta brasileiro
vivo é meu conterrâneo! Seu aniversário foi em setembro mas o
poema só ficou pronto (será?) bem depois, e aqui está. Inspirado basicamente no Poema Sujo. Será que ficou à altura? Viva Ferreira Gullar!
Agora é 1:40h do dia 3 de dezembro de 2015. E ontem (dia 2) assisti
o filme "Chico". Ufa!