terça-feira, 11 de março de 2014

O MEU PAPEL

MANOEL HERCULANO


Tudo bem, eu sei que tenho talento, mas qual será o meu papel?
Sim, eu sei que arrebento, tenho vocação, posso fazer inocente ou réu.
E então, qual a escalação? Farei parte da turma do bem ou do mal?
Ou serei o protagonista, aquele que faz o papel principal?
Eu não me incomodo de ser o mocinho, o galã ou o símbolo sexual.
Nem o vilão, numa participação especial, encabeçando o elenco.
Bandido? Bem, é um caso a pensar, agora, sem brilhar eu despenco.
O quê? Não entendi. Amigo do amigo do coadjuvante?
Só um instante, isso não é simplesmente um papel de figurante?
Ou no máximo, por amor à arte, fazer parte do elenco de apoio?
Vamos separar o trigo do joio, ou o joio do trigo, eu tenho carisma.
Pensa comigo, não é cisma, vamos raciocinar pelo mesmo prisma:
Não dizem que o mais importante, o que dá ibope é ter química?
Então esquece o autor, o diretor, o gerente do banco, a síndica.
Esquece até o português e a gramática, basta uma cara bem cínica.
E sem dar a mínima para quem tem prática, citar frases enfáticas, tipo:
“O personagem é diferente de tudo que já fiz”, declara o ator, a atriz.
“Está sendo um grande desafio, mas eu estou muito, muito feliz”.
Eu quero estampar minha cara nos segundos cadernos, na capa das revistas,
quero declarar em entrevistas: “esse personagem foi um presente,
principalmente por estar ao lado deste ou daquele monstro sagrado”.
Ou talvez eu diga simplesmente: “está sendo um grande aprendizado”.
Mas também posso falar que “me cuido”, que “estou dando tudo de mim”,
e por fim, sei lá, eu posso declarar que “está sendo muito gratificante”,
que “estou me divertindo muito”, e tudo isso, claro, sem ser redundante.
Antes de gravar, tem-se muito que esperar, além de decorar o texto.
Dar autógrafos, fugir dos fotógrafos e fingir que... só mais um pretexto.
São tantas cenas, personagens, figurinos, maquiagens, destinos e cafajestes,
que confundi ricos e pobres, plebeus e nobres, e não passei nos testes.
Por isso eu também já não me incomodo de ser escada para outros atores,
de qualquer modo, quero ir além do nada, nem que seja à custa de dissabores.
Dando show, banho de interpretação, pagando a conta, de dublê ou stand by.
Para uma grande participação ou uma ponta, é só chamar, vou aguardar, bye bye.


-------------------------------------------------- -------------------------------
*** Este é antigo, Já fazia parte do repertório na primeira apresentação
do espetáculo no Castelinho do Flamengo. E só agora resolvi postar!
E ainda com dúvida ... rsrs. Tomara que gostem. São 15h do dia 11/03/14.
E o computador faz o que quer, não o domino. Nem ele a mim...
Obrigado pela visita. Grande abraço.